“Eu, Esther Waite de Souza Oliveira Pinto, formada em educação física, sou diabética desde 1974. Na época eu tinha 7 anos e não conhecia e nem nunca tinha ouvido falar de ninguém que tivesse diabetes. Os testes de glicemia eram feitos na urina, as seringas de vidro, e não existia quase nenhum produto diet. Quando uma criança é limitada de comer o doce e tem que incorporar em sua rotina uma disciplina que até um funcionário de alto escalão é capaz de desistir, torna sua vida muito amarga.
Meus pais foram muito fortes e conseguiram fazer com que isso não fosse impedimento para nada na minha infância. Tive duas irmãs e um irmão e por isso na nossa casa sempre teve doces, biscoitos e etc. É claro que eu comia escondido. Minha mãe só soube 20 anos depois porque eu contei. A criança diabética normalmente cresce cheia de medos e culpas…Por isso é tão importante o apoio da família.
Por indicação do pediatra que diagnosticou o meu diabetes, Dr. Roberto Aires (o 1° anjo) participei dos grupos específicos para diabéticos que eram realizados no hospital do fundão com a Dra. Claudia Castilho ( o 2° anjo ) que nos orientou, a mim e a minha família. Chegando a adolescência não queria mais ir as consultas do hospital, e pior, não queria mais nada que me lembrasse que eu era diabética e tinha uma limitação.
Saí do hospital, comecei a me tratar em consultório particular e a esconder ao máximo o meu problema.
Casei com o Paulo, amor da minha vida, e tive um filho, Pedro Paulo, o segundo amor da minha vida. Fazia sempre os exames regulares, mas não fazia controle estrito ( que nada mais é que fazer as glicemias tantas vezes forem necessárias para averiguar se ela está nos padrões normais, se não estiver tomar a precaução devida). Resultado: em 1996 estava com uma retinopatia e precisei fazer laser.
Estava me sentindo tão infeliz e achei que iria morrer de alguma complicação diabética. Entrei num stress tão grande que tive uma crise de ansiedade (todos conhecem como síndrome do pânico) e em depressão, fui parar no hospital. Não saí de casa durante uma semana e não tinha vontade de levantar da cama. Resolvi pedir ajuda e comecei a análise com a Dra. Monica Tenenbaum (o 3° anjo). Saí da crise e vi que tinha que fazer algo por mim.
Fiquei sabendo do Diabetes in Rio II ( seminário de diabetes para leigos , familiares e profissionais da área de saúde ). Me inscrevi e presenciei depoimentos de pessoas que eram felizes e tocavam suas vidas normalmente. Procurei o médico responsável pelo congresso, dr Rogério Oliveira (o 4° anjo), e minha vida mudou desde esse dia. Comecei a fazer parte de associações, congressos, fóruns, tudo que pudesse me colocar cada vez mais perto desse diabetes que nada mais é do que eu mesma pois não posso separá-lo de mim . E assim comecei a cuidar dele como parte integrante do meu corpo, da minha alma.
Hoje, tenho uma disciplina exemplar que tenho que admitir, é estafante, mas tenho uma qualidade de vida que nunca tive antes. Os diabéticos que conheço hoje fazem parte da minha história, temos uma cumplicidade em comum e isso não deixa que me sinta sozinha e única.
E o mais importante: sei muito a respeito da minha disfunção e principalmente sobre como o meu corpo reage a ela. Olhando para trás vejo como o diabetes me ajudou a ser uma pessoa determinada, responsável, perfeccionista…entre outras coisas. Todos nós temos um momento em temos um “click” e resolvemos “cuidar” do diabetes. Aprendi a viver feliz com o diabetes, enxerguei que ele, sou eu e eu sou ele, vi a melhor parte de mim mesma e valorizei isso. Essa consciência foi a responsável pela minha “felicidade”, enquanto portadora de diabetes.
Reverti o meu comportamento de vítima para heroína. Com 29 anos de diabetes, concluo que o mais importante para qualquer pessoa que tenha uma doença crônica é se informar ao máximo, cuidar muito bem dela e não se isolar jamais. Como alguém, que não me recordo o nome, disse uma vez: “quer ter qualidade de vida, arrume uma doença crônica e cuide muito bem dela”.